estive away. perdida em pensamentos e enterrada em stress.
na terca-feira passada o bernardo moura recebeu um telefonema em inglaterra, onde está a estudar. o irmao dele tinha morrido. o francisco, o irmao. o mano mais velho. aposto que ele nao conseguiu acreditar no que lhe estavam a dizer, como se o facto de nao falar português todos os dias o tivesse feito perder todo o entendimento daquela língua que em tempos foi a sua. "nao pode ser... como?" tropecou nas escadas e caiu. assim mesmo. em 3 segundos a vida do francisco tinha acabado.
o francisco, o meu chiquinho, andou nas mesmas escolas que eu desde o meu 6° até ao meu 12° ano. era o meu mano mais novo, porque era um ano mais novo que eu e nessa altura 1 ano parecia 1 década.
o meu primeiro ano de secundário foi horrível, detestava os maristas, passava a vida a ir visitar os meus amigos à escola antiga; mas no ano seguinte o francisco chegou e eu fiquei tao contente - o meu maninho tinha vindo atrás de mim.
o francisco era à primeira vista tudo o que se espera de um aluno popular nos maristas, totalmente o oposto de mim: as miúdas andavam malucas com ele, os professores adoravam-no. e ele tinha o caminho livre para fazer todos os disparates que sempre fez, mas que era impossível nao perdoar à vista daquele sorriso inigualável e aquele paleio (literalmente) à chico esperto. ele era... como hei-de dizer? isso, irresistível.
aquela populacao marista, que nunca tinha falado a mesma língua que eu mas que bebia as palavras do chico com avidez, estranhou ver aquele seu benjamin passar todos os seus intervalos com aquela bacana freak de calcas 3 números acima e cuecas de fora que se ria tao alto; e como ele se ria também!... adoptaram um preto de 2 metros de altura que vinha de massamá mas vestia à beto e usava lentes de contacto azuis.
os 3 eram inseparáveis. e que trio estranho aquele... o benjamin betinho, a miúda cor-de-laranja das gargalhadas, o preto chunga-beto. todos os dias iam juntos para casa, linha de sintra é o hardcore. de alguma forma equilibravam-se uns aos outros - nunca fomos assaltados porque o wilson conhecia toda a gente e os que nao conhecia tinham medo dele; comecámos a ser adorados também porque o francisco nos adorava e "se o francisco adora nós adoramos também"; eu pouco útil lhes era, excepto talvez pelo facto de ser rapariga, temperando as conversas, dando-lhes na cabeca quando as parvoíces iam longe demais, e ajudando-os a engatar as meninas.
eles andavam na mesma turma, a de economia. eu, 1 ano acima, na de ciências e desporto. encontrávamo-nos todos os intervalos nas mesas de matrecos ou de ping-pong, e à última hora da tarde eles iam-me buscar à porta da sala para irmos juntos para casa.
lembro-me de 1 vez em que o wilson queria fazer chichi à forca toda quando já estávamos no comboio. "estás quase em casa, espera um bocado!" - dissemos-lhe nós. "nao, tem que ser agora" e saiu do comboio. era hora de ponta, o comboio estava a abarrotar. esperou que as portas do comboio fechassem, pôs-se de pé de costas para o comboio naquele degrau minúsculo à frente da porta com a mochila na barriga, e entre a amadora e queluz-belas pôs a pilinha de fora e fez chichi; quando um comboio passou em sentido contrário e o wilson conseguiu manter-se naquele espaco de 1 metro enquanto urinava, o chico e eu nao respirámos durante uns bons segundos. quando chegámos a queluz-belas, o wilson voltou a entrar no comboio e fomos os 3 a rir a bandeiras despregadas até ao monte abraao. éramos os heróis uns dos outros.
no ano seguinte o wilson saiu dos maristas e foi estudar para massamá. eu já estava integrada no meio daquela gente (da qual na realidade nao trouxe amigo nenhum para o presente, mas na altura dava-me suficientemente bem com todos para sobreviver ao ano que faltava), e o chico era o rei. nao passávamos tanto tempo juntos durante o dia, mas continuávamos a ir juntos para casa a maior parte das vezes.
a vida separou-nos. já nao o via há vários anos. nem sequer o tinha como amigo no facebook porque nunca o tinha apanhado por ali nem ele a mim. mas sei o quanto nos adorávamos, e sei o quanto ele era bom em equitacao e tinha jeito com raparigas, e também sei o quanto gostava do irmao. o irmao que é amigo do meu irmao. sei que o francisco era uma óptima pessoa e sei que tinha uma boa vida pela frente, até porque nunca conheci ninguém que nao gostasse dele. acima de tudo, sei que ele nao merecia ter morrido 1 semana depois de ter feito 26 anos, de forma tao estúpida.
sei também que nunca esquecerei o meu maninho chico.
e sei ainda que o meu maior terror é receber o telefonema que o bernardo teve que receber contra-vontade e que lhe mudou o resto da vida para pior.
Um comentário:
maria querida, assim de repente nao me lembrava do Francisco, mas depois de ver as fotos dele tudo se foi reavivando! meu Deus! vida de m**** que é frágil... tão frágil! às vezes (muitas vezes) tenho medo assoladores e altamente destruidores em relação à vida (à minha e dos meus). cada vez mais me assusta pensar que nao custa nada para tudo terminar assim, em menos de nada! força amiga! porque consigo imaginar a vossa "irmandade" na altua tão bem como se fosse minha! beijos muitos
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